NASCIMENTO DE CAUBY PEIXOTO, O PROFESSOR DA MPB, COMPLETA 90 ANOS
Nascido em Niterói, e filho do violonista Cadete e da dona de casa Alice, foi o caçula de cinco irmãos. Seu nome teve inspiração num personagem homônimo do livro “Iracema”, de José de Alencar”, clássico da nossa literatura. Já que era oriundo de uma família artística, uma vez que seu pai era músico, o célebre pianista Nonô era seu tio e o grande sambista Cyro Monteiro seu primo, conviveu com a música desde a infância. Ainda na escola primária e na igreja que frequentava, em Niterói, sua cidade natal, o então pequeno Cauby deu seus primeiros passos musicais. Aos oito anos, quando ouviu, pela primeira vez, a voz de Orlando Silva, descobriu que podia ser cantor. E não demorou muito para que o canto se tornasse a atividade mais importante de sua vida. Na fase jovem, em meados dos anos 40, após passar por alguns empregos, para ajudar no sustento familiar, até que, finalmente, profissionalizou-se na música. Seus irmãos Moacir, pianista e Arakén, pistonista o influenciaram a cantar na noite. Àquela altura, o jovem tornou-se crooner das boates paulistanas, cantando, entre outras, as criações de seu ídolo Dick Farney, cantor moderno que antecedeu a Bossa Nova. Participando de programas de calouros, como “A Hora do Comerciário”, o futuro astro iniciou a carreira musical. Em 1951, teve a oportunidade de gravar o seu primeiro disco, um 78 rpm com o samba “Saia Branca” é a marchinha “Ai, que carestia”, pelo selo Carnaval. Mas, nada aconteceu!
O sucesso só viria após conhecer o empresário Edson Di Veras que, através de jogadas de marketing, o faria passar de mero desconhecido ao cantor mais popular do Brasil. Já no Rio de Janeiro, em 1954, lançou seu primeiro sucesso nacional, a versão em português do fox “Blue Gardenia”, interpretado originalmente por Nat King Cole, seu ídolo americano, a quem dedicaria um álbum futuramente. Outros êxitos viriam com “Canção do Rouxinol”, “Nono Mandamento” e “A Pérola e o Rubi”. Porém, a plena consagração só ocorreu com a gravação de “Conceição”, samba-canção de Dunga e Jair Amorim, que tornou-se o seu carro-chefe e uma das canções mais executadas no país. Cauby consolidou-se como um intérprete moderno e versátil, cujo repertório transitava livremente entre sambas-canções, boleros, tangos, valsas, fox-strots, marchas-rancho, baiões, tarantelas e até, standards do jazz norte-americano, já que era fluente em inglês e cantava em mais nove idiomas. Coube-lhe o pioneirismo de gravar o primeiro rock brasileiro, “Rock and Roll em Copacabana”, de Miguel Gustavo. Foi, também, o primeiro a gravar uma composição de Tom Jobim - que viria a ser um dos expoentes da Bossa Nova, ao lado de João Gilberto e Vinicius de Moraes -, o samba-canção “Foi a Noite”. Seu talento e relevância o levariam além das fronteiras da nação. Se no Brasil era o Rei do Rádio e ídolo da juventude, nos EUA, Cauby brilhou ainda mais! Lá gravou discos, sob os pseudônimos de Ron Coby e Coby Dijon, chegando ao quinto lugar na parada de sucessos da Billboard, com “I Go”, versão em inglês de “Maracangalha”, samba de Dorival Caymmi. Chegou a participar do filme “Jamboree”, da Warner, ao lado de Frank Avalon, Jerry Lee Lewis e Fats Domino, cantando “El toreador”. Além disso, dividiu momentos com estrelas como Carmen Miranda, Nat King Cole, Bing Crosby, Louis Armstrong, Marlene Dietrich e Rock Hudson. A revista “Time and Life Magazine” o classificou como o “Elvis Presley brasileiro”.
De volta ao Brasil, no início da década de 60, fez o povo cantar o reflexivo bolero “Ninguém é de ninguém”. Ainda nesse período, incluiu em suas gravações obras de compositores da Vanguarda e da Tropicalia, não obstante o clima tenso da Ditadura Militar. Mas, nada disso o impediu de amargar certo ostracismo midiático. Com Roberto Carlos e a turma da Jovem Guarda dominando o gosto popular, os cantores da Era do Rádio, vertente à qual pertencia, ficaram ofuscados. As excessões à regra foram Angela Maria e Nelson Gonçalves. A década seguinte seria a mais difícil de toda a sua carreira. Nos anos 70, Cauby restringiu-se às apresentações em restaurantes e churrascarias, além de pouco aparecer em programas de televisão. Até que, em 1979, as coisas começaram a mudar. Elis Regina, considerada pela crítica da época a maior cantora do Brasil, estava gravando o seu LP “Essa Mulher”, quando resolveu convidar o intérprete de “Conceição”, já que era sua fã incondicional e o tinha como referência, para que gravassem juntos o “Bolero de Satã”. Resultado: Cauby voltou a ser assunto! Porém, somente no ano seguinte o sucesso voltaria a fazer parte de sua vida completamente. O produtor João Araújo o homenageou com um álbum comemorativo aos seus 25 anos de carreira (na verdade, 29), intitulado “Cauby, Cauby”. Para tanto, encomendou músicas aos melhores compositores possíveis, e que, por sinal, eram seus admiradores: Caetano Veloso (que assinou a faixa-título), Tom Jobim, Jorge Ben Jor, Roberto e Erasmo Carlos, Marcos e Paulo Sérgio Valle... Mas, a glória viria com “Bastidores”, obra-prima de Chico Buarque que se transformaria em clássico da música brasileira. Daí então, o fabuloso cantor recuperou a popularidade e o respeito da crítica especializada. Desde então, foi enredo de escola de samba por mais de uma vez; homenageado do Prêmio Sharp (hoje, Prêmio da Música Brasileira), ao lado de Angela Maria; celebrado em peças teatrais, interpretado pelo ator Diogo Vilela; agraciado com a Medalha do Mérito Legislativo; vencedor do Grammy Latino e, depois, homenageado pela mesma equipe do prêmio, quando comemorou 60 anos de carreira e 80 de vida.
Incansável, Cauby cantou até o fim de seus dias, sempre mantendo a impecável qualidade de seu vozeirão aveludado de barítono dramático. Em 2001, teve lançada a sua biografia “Cauby: 50 anos da voz e do mito”, escrita pelo brilhante jornalista Rodrigo Faour. Nos últimos anos, especialmente sob a produção de Thiago Marques Luiz, o Professor (como passou a ser chamado pelos colegas) presenteou o seu público homenageando seus próprios ídolos. Vieram discos em tributo a Beatles, Frank Sinatra, Roberto Carlos, Nat King Cole e Dick Farney, este, lançado postumamente. Em 2016, nos deixou, aos 85 anos. A despedida dos palcos foi em alto estilo, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, novamente, ao lado de Angela Maria - com quem firmou amizade e parceria sexagenárias -, poucos dias antes de falecer. Sua partida deixou inúmeros fãs órfãos, porém, consolados com mais de 800 gravações, distribuídas em cerca de 120 discos, produzidos ao longo de quase sete décadas de trabalho. Cauby Peixoto é parte indelével na história do nosso cancioneiro. Artistas como ele enriquecem a nossa cultura e orgulham o país. Seu legado não deve ser esquecido, mas reverenciado. Se, atualmente, poucas pessoas afirmam ter orgulho de serem brasileiras por falta de motivos, certamente, Cauby é um dos motivos pelos quais devemos ter orgulho de ser filhos do Brasil.
Texto: Davi Vieira
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