ELIS REGINA, O SHOW QUE NÃO ACABOU


    Hermínio Bello de Carvalho e Zuza Homem de Melo já diziam que “o Brasil é o país das cantoras”. E de fato, tal afirmação é verdadeira. Não precisamos de muito esforço para lembrarmos de alguns nomes: Dalva de Oliveira, Maysa, Gal Costa, Maria Bethânia, Elza Soares, Nana Caymmi... E nesse rol não pode faltar o nome de Elis Regina.

    A “Pimentinha”, como era conhecida por seu temperamento forte, e que hoje completaria 76 anos, foi uma das maiores, mais modernas e populares personagens da história da música brasileira. Não houve e, talvez, não haverá, novamente, uma cantora como ela, em termos de importância.

    A pequena gaúcha de Porto Alegre, que ao ouvir no rádio a voz de Angela Maria cantando “Vida de Bailarina” (Américo Seixas/Chocolate), descobriu que “o instrumento mais perfeito do ser humano é a voz”, cresceu - pelo menos, em idade e maturidade, já que media 1,55 m - e tornou-se a maior cantora de seu tempo, conquistando o Brasil e o mundo.

    Sua meteórica carreira foi uma das mais promissoras e sólidas que um artista poderia almejar.

    Com apenas 11 anos, se apresentou pela primeira vez na Rádio Farroupilha, em sua cidade natal. Aos 14 estrelou, na mesma emissora, o programa Clube do Guri, sendo logo contratada. Aos 16, gravou o seu primeiro long-play (LP), “Viva a Brotolândia”, pelo selo Continental, no Rio de Janeiro.

    Nessa época, o seu canto ainda era muito influenciado pelos vozeirões, que reinavam soberanos nas ondas da Rádio Nacional, como Francisco Alves, Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto, Emilinha Borba, Isaurinha Garcia e, claro, Angela Maria, a sua musa-inspiradora e maior cantora de então.

    Com o tempo, encontrou o seu próprio estilo e, aos 20, “explodiu” em todo o país, ao ser contratada pela TV Record, para apresentar, ao lado de Jair Rodrigues, o sofisticado “Fino da Bossa”, que revelou nomes como Claudya e o grupo Zimbo Trio e por onde passariam “medalhões” como Wilson Simonal, Adoniran Barbosa e Ciro Monteiro. Ainda nesse mesmo interim, venceu o I Festival de Música Popular Brasileira, na TV Excelsior, cantando “Arrastão”, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Aos 21, com quase uma dezena de álbuns gravados, apresentações e premiações, já era a cantora mais bem paga do Brasil. Seu talento também a levaria além das fronteiras nacionais. Apesar do pouco tempo tempo de carreira, fez várias turnês pela Europa.

    É comum ouvirmos que a música do Brasil se divide em “antes” e “depois” de João Gilberto. Mas, o mesmo pode ser dito sobre Elis, pois ela marcou o encontro entre a “tradição” e a “modernidade”, uma vez que conseguia conciliar suas influências da Era do Rádio, dos jazzistas norte-americanos e da Bossa Nova de João, Vinicius e Tom, como é perceptível em suas gravações posteriores a 1965, sempre com pouco ou nenhum vibrato, com uma colocação de voz menos impostada, uma dinâmica mais diversificada, porém, sem perder a intensidade da interpretação. Ela entendeu que era possível aproveitar o que havia de melhor em ambas as faces e criar, entre reprovações e aprovações, uma estética musical que influenciaria gerações. E assim, nasceu o que hoje chamamos de MPB. Além disso, seu repertório destoava bastante dos gêneros e estilos predominantes naqueles dias de Jovem Guarda, em que Roberto Carlos foi sagrado por Chacrinha como “Rei da Juventude”, sendo alvo de críticas pelo seu não-engajamento com as questões políticas da época (Ditadura Militar) em suas canções, ao contrário de Elis, da turma da Vanguarda e da Tropicália.

    Na década de 70, consagrada pela crítica e pelo público, “eliscóptero” (como foi apelidada por Rita Lee) produziu obras-primas que se eternizaram na alma dos “amantes da melodia”. Cabe ressaltar que, em sua maioria, tratavam-se de composições de autores desconhecidos, que ela teve a primazia de lançar, como Milton Nascimento (“Maria, Maria”), Fagner (“Mucuripe”) e Renato Teixeira (“Romaria”). Vieram as antológicas gravações de “Como Nossos Pais” (Belchior) e “O Bêbado e a Equilibrista” (João Bosco/Aldir Blanc), carregadas de expressão e críticas sociais, sendo clássicos imortais. Cantou magistralmente a “derramada” letra de “Atrás da Porta”, que Chico Buarque e Francis Hime compuseram. Foi também nesse período que gravou o histórico álbum “Elis e Tom”, ao lado de Tom Jobim, em que destaca-se a faixa “Águas de Março” (Tom Jobim), que abre o verão de todos os anos. Merece uma menção especial o seu espetáculo “Falso Brilhante”, de 1975. E não podemos esquecer de sua incrível participação no Festival de Jazz de Montreal, na Rússia, ao lado de Hermeto Paschoal e Hélio Delmiro, dentre outros, onde foi ovacionada pelo público e reverenciada pelos grandes nomes do Jazz.

    Se a trajetória artística foi intensa, o mesmo se pode afirmar de sua vida pessoal. Foram vários amores e desamores. Foram várias ilusões e desilusões. Nelson Motta e Fábio Júnior foram alguns de seus namorados. Mas, foram os relacionamentos conturbadas com o compositor e produtor Ronaldo Bôscolli e o pianista César Camargo Mariano que, talvez, mais lhe marcaram. Com o primeiro, teve o filho mais velho Marcelo Bôscolli. Com o segundo, Pedro Mariano e Maria Rita. Todos ligados à música! Afinal, não poderia ser diferente!

    Mas, o que interessa, sempre interessou e interessará é a história e a vida da grande cantora que viveu para cantar e cantou para viver. A voz fenomenal de mezzo-soprano que se calou no fatídico janeiro de 1982, de forma repentina e trágica, continua ecoando até os dias de hoje, nos ouvidos e corações de todos aqueles que têm a oportunidade de conhecê-la. Elis Regina é um desses casos raros de artistas que constroem obras atemporais. Por isso, tantas reverências e homenagens - como o filme de 2015, protagonizado por Andréia Horta -, mesmo após tantas décadas de sua morte. Elis se foi, mas o seu trabalho continua vivo e ao alcance de todos, por várias gerações. E assim como ela mesma cantou, “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”.

Texto: Davi Vieira

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