MAYSA, A VIDA INTEIRA NUMA VOZ
Em 1960, Manuel Bandeira, um dos maiores poetas brasileiros, escreveu certa vez, em sua coluna no Jornal do Brasil, um poema, no qual dizia que “os olhos de Maysa são dois não sei o quê, como diga, dois oceanos não pacíficos”. Esses versos famosos traduzem, de certa forma, não apenas a figura da artista, mas a sua própria personalidade, que se refletia na sua arte.
A grande cantora que, hoje, completaria 85 anos, marcou a história da música brasileira, cantando as dores de amor, a amargura do abandono e as demais peculiaridades da vida, criando uma identificação sem igual com o público, que se emocionava ao deleitara-se com suas interpretações arrebatadoras. Apesar de ter um repertório correspondente ao estilo “romântico” e “dor-de-cotovelo” que predominava nos anos 50, quando deu início à sua carreira, gravando o LP “Convite para ouvir Maysa”, pelo selo RGE, foi moderna para o seu tempo, pois seu canto comedido e que valorizava mais a sua qualidade de intérprete, apesar da ótima extensão vocal de contralto dramático, a deixava ainda mais próxima do ouvinte, que se identificava com as letras.
Ela interpretava com tanto sentimento e verdade, que chegou a ser considerada a melhor intérprete das canções de Dolores Duran, de quem gravou clássicos como “A Noite do meu bem” e “Por causa de você” (parceria dela com Tom Jobim). Outros grandes sucessos ficaram eternizados em sua voz, como são os casos de “Meu mundo caiu”, “Ouça” e “Resposta”, todos composições de sua autoria. Nela, a obra-prima do cancioneiro francês, “Né me Quitte pas” (Jacques Brel) tem a sua melhor gravação, segundo o próprio compositor. Eclética, interpretou de sambas-canções, como “Franqueza” (Denis Brean/Osvaldo Guilherme), boleros, como “La Barca” (Roberto Cantoral) a standards do jazz, como “Ive Got you under my skin” (Cole Porter) sempre esbanjando classe.
Seu enorme talento a colocou no panteão das melhores vozes brasileiras, ao lado de Elis Regina, Dalva de Oliveira, Angela Maria e tantas outras. Além disso, teve uma participação fundamental na divulgação internacional da Bossa Nova, movimento criado por João Gilberto e endossado por Tom Jobim, Vinicius de Moraes e outros, que converteu-se em gênero musical. Apresentou-se na França (Olympia), Estados Unidos (Blue Angel) e Portugal (Cassino Estoril). Excursionou também pelo Japão e por países da América Latina, como Uruguai e Argentina.
O herdeiro a homenageou, dirigindo uma minissérie sobre sua vida, que foi ao ar em 2009, na emissora carioca, e teve autoria de Manoel Carlos. “Maysa, quando fala o coração” teve Larissa Maciel no papel principal e foi um sucesso de audiência e crítica. A iniciativa, além de celebrar o legado da grande diva, deu a oportunidade de que novas gerações, que não acompanharam sua trajetória, pudessem conhecer o seu nome, o que é louvável num país que não preza nem valoriza a sua história. Fato semelhante ocorreu com Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, que viraram enredo de “Dalva e Herivelto: Uma canção de amor”.
Maysa é um caso raro na nossa música. Um desses casos que só acontecem de séculos em séculos. Sua voz marcante, sua interpretação expressiva, cheia de personalidade e sua própria persona foram de extrema importância para o cancioneiro popular. Única em tudo o que fez, deixou um grande vazio desde que partiu, definitivamente, em 1977, vitimada por um acidente automobilístico. No entanto, esse vazio pode ser suprido pelos 16 álbuns que gravou, ao longo de quase 25 anos de carreira artística. Enquanto sua obra continuar viva, Maysa permanecerá nos corações daqueles que têm o prazer de ouvi-la.
Texto por Davi Vieira
Excelente texto
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