NARA LEÃO, A VOZ AUTÊNTICA DA MPB
“Podem me prender, podem me bater, podem, até, deixar-me sem comer, que eu não mudo de opinião”. Estes são alguns dos emblemáticos versos de “Opinião”, canção de Zé Keti, da peça teatral homônima, que representa a luta pela liberdade de expressão em períodos de repressão, imortalizada na voz de Nara Leão, uma das maiores divas da música popular brasileira, que nos deixou há exatos 32 anos.
A carioca nascida em 1942, e que desde cedo teve despertado em si o interesse pela música, foi uma das mais importantes cantoras do país e reconhecida como musa da Bossa Nova, pelo jornalista e crítico Sérgio Porto. Sim, a aluna de Patrício Teixeira e Carlos Lyra, que aprendera a tocar violão e tornou-se professora do instrumento, teve participação fundamental na consolidação do movimento bossanovista.
No apartamento de seus pais, situado em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, a então garota recebia e participava das tão famosas reuniões de jovens músicos e universitários, que incluía a participação de figuras como Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Chico Feitosa e o próprio Lyra, que se consagrariam futuramente no gênero criado por João Gilberto.
Eclética, a mezzo-soprano lírico transitou, pela Vanguarda e pela Tropicália, não restringindo-se ao movimento em que figurou inicialmente. No já citado espetáculo, em que foi, posteriormente, substituída por Maria Bethânia, mostrou-se uma cantora e atriz de protesto, consagrada dali por diante. Venceu o Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, interpretando “A Banda”, de Chico Buarque. Participou do aclamado álbum tropicalista “Tropicália ou Panis et Circensis”, lançado pela Phillips, ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e Os Mutantes.Em sua voz, destacaram-se obras-primas como “O Barquinho” (Roberto Menescal), “Manhã de Carnaval” (Antônio Maria/Luiz Bonfá), “Fotografia” (Antônio Carlos Jobim) e “João e Maria” (Chico Buarque). Na sua discografia, destacam-se trabalhos como “Show Opinião”, álbum do espetáculo homônimo que estrelou; “Vento de Maio”, em que interpretou composições de Gilberto Gil, Dorival Caymmi e Sidney Müller; e “Com açúcar, com afeto”, sensível tributo a Chico Buarque.
Mulher à frente de seu tempo, quebrou paradigmas, por sua postura firme ao tomar decisões em sua vida pessoal e que refletiam na opinião pública, ao sair de casa e morar junto com Ruy Guerra, quando ainda eram namorados, o que foi um escândalo para a sociedade conservadora de então. Não era apenas uma bela voz, mas foi, também, uma grande simpatizante e militante de movimentos estudantis da União Nacional dos Estudantes (UNE). Realizou o seu sonho de cursar psicologia, graduando-se pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC - RJ).
Desde sua estreia, na comédia “Pobre menina rica”, em 1963, juntamente com Carlos Lyra e Vinícius de Moraes, autor da obra, até o final de sua carreira, quando de sua morte precoce, aos 47 anos, no final da década de 80, Nara Leão brilhou nos palcos, estúdios e qualquer lugar por onde passasse, sempre esbanjando talento e expressividade. Com ela, aprendemos o valor da autenticidade e da coragem de inovar sempre, sem qualquer rendição aos limites impostos pelo mundo. Mais atual do que nunca, a sua trajetória nos inspira a cantar e lutar por nossos direitos, sobretudo, o de expressar o que sentimos e pensamos. Por isso, pessoas como Nara não morrem, mas eternizam-se, pelas sementes que germinam ao longo de suas existências e que sempre renderão frutos.
Texto por Davi Vieira
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