O REI DO RITMO, ETERNO JACKSON DO PANDEIRO

 “Eu só boto bebop no meu samba quando o tio Sam pegar no tamborim”. Esses versos do compositor Gordurinha, protestam contra a americanização da música brasileira sem que esta possa, também, influenciar a música estrangeira, sobretudo, a americana. E ninguém melhor que Jackson do Pandeiro, um artista genuinamente brasileiro, que nasceu há exatos 102 anos, para interpretar e imortalizar o referido samba, “Chiclete com Banana”.

José Gomes Filho, nascido em 1919, foi, e ainda é, um dos maiores representantes dos ritmos do nosso país, principalmente, daqueles que são típicos do nordeste. Côcos, rojões, baiões e xaxados sempre foram indissociáveis de sua figura e indispensáveis de seu vasto repertório. E como se isso não bastasse, o paraibano de Alagoa Grande ainda executava, e muito bem, o samba. Com uma voz bem dividida e uma percussão invejável que o colocava no panteão dos maiores ritmistas de todos os tempos, recebeu a alcunha de “Rei do Ritmo” - título que também pertenceu ao cantor Miltinho (1928 - 2014) -.

Em certa ocasião, quando participava do extinto programa MPB Especial, da TV Cultura, com direção e apresentação do saudoso Fernando Faro, declarou que “João Gilberto disse que sou o maior ritmista fo Brasil”. Nada mau, tratando-se de um elogio e reconhecimento do pai da Bossa Nova. Na verdade, trata-se de uma constatação quase unânime. Mas, isso não é o mais importante! A grande questão é que Jackson é puro ritmo! Basta ouvirmos “Sebastiana” (Rosil Cavalcanti), “O Canto da Ema” (João do Valle), “A Mulher do Aníbal” (Genival Macedo/Nestor de Paula) e “A Ordem é Samba” (Jackson do Pandeiro/Severino Ramos), para chegarmos a tal percepção. Até quem não é tão familiarizado com as minúcias da vida musical percebe um “quê” de diferente nas performances do “Garrincha da música nordestina”.

Para quem não era nascido nos tempos áureos da Seleção Brasileira de Futebol ou nunca ouviu falar sobre esse período, Pelé (considerado o maior artilheiro do mundo) e Mané Garrincha (o melhor ponta-direita) eram considerados a dupla de ouro do futebol nacional. Numa analogia bastante interessante, a crítica especializada se referia a Luiz Gonzaga como “Pelé” e a Jackson como “Garrincha” da música nordestina. De um lado, o pioneirismo do Rei do Baião ao trazer para um contexto nacional o baião e demais ritmos regionais associados. Do outro, a densidade rítmica trazida por seu “rival”. Sim, apesar da bela analogia, havia uma certa “rivalidade” entre ambos - que rendeu inclusive uma breve e engraçada “briga” musical aos moldes “Noel Rosa X Wilson Batista” e “Dalva de Oliveira X Herivelto Martins”, com “Forró em Caruaru” (Zé Dantas, um dos maiores parceiros do Velho Lua), lançada por Jackson em 1955 e “Forró de Zé Tatu” (Zé Ramos/Jorge de Castro), lançada pelo filho de Januário na mesma época -, e que só foi sanada no final dos anos 70, quando Gonzagão participou de um programa de rádio apresentado pelo pandeirista, em parceria com Adelzon Alves - decano dos radialistas brasileiros -, na Rádio Globo. Rusgas à parte, ambos foram, e são, fundamentais para a formação da identidade musical do nosso povo, além de orgulhos nordestinos.


Nas palavras de Tárik de Souza, "enquanto Luiz Gonzaga popularizou o baião, o xote e o xaxado, Jackson do Pandeiro projetou o coco, o samba nordestino, com divisão rítmica vertiginosa e letras de métricas afiadas". Com uma obra de tamanha relevância, que inclui dezenas de álbuns, compactos e centenas de músicas, Jackson (cujo nome artístico foi inspirado no ator americano Jack Perry, ícone do faroeste e do cinema mudo) tornou-se mestre de muitos discípulos, dentre os quais Alceu Valença (com quem participou do Festival Internacional da Canção de 1972, interpretando “Papagaio do Futuro”, composição do pernambucano; além de fazer uma turnê pelo Projeto Pixinguinha, em 1978), Geraldo Azevedo, Silvério Pessoa, Lenine, Zé Ramalho, Chico Science, Elba Ramalho e Gilberto Gil. Este último, o qual regravou “Chiclete com Banana”, em plena Tropicália, já declarou o seguinte: "Jackson do Pandeiro é um dos maiores amores que eu tenho. Que tive, tenho e terei sempre".

Não resta dúvidas de que o menino do sertão paraibano, que acompanhava sua mãe, Flora Mourão, respeitada “cantadora” de sua terra, nas rodas de côco, cresceu e converteu-se num dos maiores baluartes da musicalidade popular nacional. O marido de Almira Castilho (que também era sua parceira musical) consagrou-se tocando pandeiro de forma virtuosa, podia executar o gênero que quisesse, o que lhe rendeu o apelido de “homem orquestra”. Blues, jazz, bossa nova… Multi-instrumentista, manejava bem ganzá, reco-reco, zabumba, tamborim, gaita, piano, sanfona e bateria (instrumento que ele trocou pelo pandeiro). Coisa de gênio! Do primeiro “bolachão”, de 1954, ao derradeiro LP “Isso é que é forró”, lançado pela Polyfar, em 1981, nos deparamos com um artista, na mais completa aplicação da palavra. O talento sempre foi a sua marca, desde as apresentações apoteóticas no auditório da Rádio Jornal do Commércio (que o projetou para o resto do Brasil, ao contrário dos que aconteceu com outros artistas locais), até, os últimos shows e aparições públicas. Por essas e outras, não precisamos colocar bebop no nosso samba, se o tio Sam não pegar no tamborim. Afinal, quem ouve Jackson sabe da sua sina de cigarra e que onde seu som ecoar, tem farra. E viva a grande farra da música nordestina. Viva a música popular brasileira! Viva Jackson do Pandeiro!


Texto de Davi Vieira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Instrumentos Exóticos: O Dulcimer dos Apalaches

Instrumentos exóticos: O Alaúde

1º de Outubro. Dia Internacional da Música