VINTE ANOS SEM ORLANDO DIAS, O ESQUECIDO PRECURSOR DO BREGA-ROMÂNTICO


Há exatos 20 anos, despedia-se dos palcos da vida, Adauto José Michilles, ou melhor dizendo, Orlando Dias, cantor pernambucano que fez história na música brasileira, a partir da segunda metade do século XX, sobretudo, como um dos precursores do estilo brega-romântico, que ganharia o Brasil na década de 70. 

Pouco lembrado nos dias de hoje, até mesmo, por seus conterrâneos, o ídolo popular nascido no Recife, em 1923, iniciou sua carreira ainda na infância - a contragosto dos pais, um alfandegário e uma dona de casa, diga-se de passagem -, a partir dos anos 30, sob a influência de vozes como Orlando Silva e Gilberto Alves, duas das maiores referências vocais da época. Foi vocalista do conjunto musical mirim “A Turma dos Onze” no período em questão, em troca de comida e, já na década seguinte, fez parte do grupo “Anjos Rebeldes”, vencendo uma competição musical na Rádio Clube de Pernambuco, sendo contratado pela emissora, para integrar o seu casting, alcançando sucesso local.

Todavia, na Era de Ouro do Rádio, as estações cariocas detinham o monopólio da comunicação e da massificação radiofônicas. Por essa razão, os cantores de projeção nacional eram aqueles que tinham suas vozes amplificadas pelas suas ondas. Isaurinha Garcia, Francisco Egydio e Roberto Luna, que viviam em São Paulo, foram alguns dos primeiros cantores a se destacarem nacionalmente sem precisar migrar para o Rio de Janeiro. Mas, essa excessão não transformou-se em regra! No entanto, mais difícil ainda seria um artista nordestino alcançar renome nacional sem sair do nordeste, motivo pelo qual Jackson do Pandeiro migrou para a cidade maravilhosa. 

 Orlando Dias deixou sua terra natal, no início da década de 50, em busca de reconhecimento, fama e melhores condições de vida. Em entrevista à Revista do Rádio, em 1954, declarou: “a minha vida no rádio, em Pernambuco, foram dez anos de esforços perdidos, tive que vencer a resistência da família para conseguir mudar-me para o Rio em busca de uma carreira sólida”. É perfeitamente compreensível o seu desabafo, uma vez que Recife possuía, apenas, uma emissora de rádio, a já citada Clube. A primeira gravadora, a Rozenblit, só seria fundada muito depois. A única possibilidade real de alguém “estourar” com a música era morar na cidade do Cristo Redentor. 

 No Rio, foi crooner de boates e gravou seus primeiros trabalhos fonográficos, mas sem tanta repercussão. Até que, em 1959, alcançou êxito interpretando “Se eu pudesse”, bolero de Waldir Rocha, lançado pela gravadora Mocambo. Conquistou os auditórios da Rádio Nacional, maior do país naqueles dias e passou a ser recordista em vendagem de discos, construindo uma história gloriosa em plenos tempos da Bossa Nova, cuja estética era avessa à sua. O maior clássico de sua trajetória, foi o bolero “Tenho ciúme de tudo”, do mesmo Waldir Rocha - que também lhe daria “Nunca Mais”, “O que me importa” e um sem número de canções célebres -, obrigatório no repertório de qualquer “cantor da noite” que se preze, e regravado por astros como Agnaldo Timóteo e Bruno & Marrone. 

Contemporâneo de Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Angela Maria, Dias converteu-se num dos grandes fenômenos de popularidade da música romântica, assim como eles. Com um vozeirão típico, de barítono, com bons graves e agudos fortes, uma performance teatral, que incluía declamação de versos, ajoelhadas no palco e acenos com um lenço, o cantor que encantou corações apaixonados e sofredores - conhecido como “o cantor que morre no palco”, foi precursor do brega-romântico, estilo que consagrou figuras como Waldick Soriano, Amado Batista, Carlos Alexandre e Reginaldo Rossi, autointitulado Rei do Brega.

Ao longo de 50 anos, pudemos apreciar a arte simples e popular de um artista como Orlando Dias, que não merece ser esquecido. Assim como é lembrado Reginaldo Rossi, precisamos resgatar a sua memória, para que novas gerações tenham a oportunidade de conhecê-lo. A memória nacional necessita de uma constante reativação, para que a nossa própria história não seja relegada ao ostracismo. Um povo sem memória não tem identidade, e se não tem identidade, é indigente. Enquanto há tempo, não deixemos que essa seja a nossa realidade. Lancemos luz sobre aquilo que é digno de luz e as trevas se encarregarão do que é digno delas. Viva, Orlando Dias! Viva a nossa música!


Texto por Davi Vieira

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