UM SALVE AOS 80 ANOS DE BENITO DI PAULA

No início dos anos 70, despontou no Brasil uma nova forma de se fazer samba. O gênero, àquela altura, já não era o mesmo de décadas passadas. A essência continuava igual, mas as formas de execução eram diversas. Já havia os sambas sincopado, canção, quadrado, rasgado, sambalanço, samba-rock, a própria Bossa Nova, dentre outros. Eis que apareceu o samba-joia! 

Em plena ditadura militar, um jovem de pele branca, cabelos revoltos, barbudo, trajando smoking, tocando piano e cantando com um vozeirão de barítono conquistou as paradas de sucesso em todo o país. Tratava-se de ninguém mais, ninguém menos, que Benito di Paula! O fluminense de Nova Friburgo, nascido em 1941, que cresceu ouvindo Nelson Gonçalves, Cauby Peixoto e Angela Maria, e que hoje completa 80 anos, ditou moda, ao emplacar hits como “Retalhos de Cetim”, “Além de Tudo” e “Mulher Brasileira”, todas de sua autoria. Amado pelo público e rechaçado pela crítica especializada - já que era considerado “brega” ou “cafona”, por ser um artista popular, não relacionado à música apreciada pelas elites -, Benito foi um dos nomes de maior cartaz da música brasileira, entre os anos 70 e 80. Sua popularidade era tanta que chegou a concorrer em vendagem de discos com Roberto Carlos (para quem compôs “Quero ver você de perto”. No total, são 45 milhões de cópias vendidas, ficando atrás, apenas de Angela Maria, Nelson Gonçalves e do próprio Rei, e empatando com Nelson Ned. Também chegou a se apresentar em vários países, conquistando uma respeitável carreira internacional. 

Consagrou-se interpretando os seus sambas românticos, estruturados no piano e entoados à plenos pulmões, à contragosto dos sambistas tradicionais que consideravam o seu estilo um absurdo, uma vez que “desconstruia” a maneira usual de se fazer samba, apesar de tantas variantes e subgêneros. Conta-se, inclusive, que Paulinho da Viola, ao compor “Argumento”, referiu-se a Benito, de uma forma indireta e sem citar o seu nome, já que a música fala sobre a descaracterização do samba. Ao passo que Di Paula teria retrucado, compondo “Não me importa nada”. No entanto, nunca houve confirmação acerca disso, o que nem é tão importante, diante da grandeza de ambos enquanto artistas.

O fato é que desde que foi lançado o álbum “Benito di Paula” (o primeiro de 24, entre LP’s e CD’s) - com o seu primeiro sucesso, “Violão não se empresta a ninguém”, em 1972, pela Copacabana, o samba nunca mais foi o mesmo. Artistas como Luiz Carlos e Xande de Pilares o apontam como referência e precursor do pagode enquanto estilo musical decorrente do samba, que ganharia o país a partir dos anos 90. É perceptível a sua influência em boa parte do repertório de grupos como Raça Negra e Revelação. Apesar do reconhecimento, o autor e intérprete de “Amigo do Sol, Amigo da Lua” (clássico de sua autoria e de Márcio Brandão, da década de 80 e tema da novela “A Gata Comeu”, da Rede Globo), prefere ser chamado de “sambeiro”. Isto é, nem sambista nem pagodeiro, e as duas coisas ao mesmo tempo.

Um artista como Benito, que iniciou sua trajetória musical como coronel de boates e cabarés no Rio, em Santos e São Paulo, não se prende a  rótulos, pois sabe que a arte é ilimitada. Por isso, pôde compor e gravar canções como “Sanfona Branca” - um tributo a Luiz Gonzaga, com direito a resposta do Rei do Baião, “Chapéu de Couro e Gratidão” -; “Charlie Brown”, “convidando” o icônico personagem do desenho Snoopy para conhecer o Brasil; “Do jeito que a vida quer” e “Como dizia o mestre”, inspirado nos versos de Ataulfo Alves, a quem as dedicou; além de “Proteção às Borboletas” - de 1978, e que foi censurada no Chile, durante a ditadura de Augusto Pinochet -, com uma letra de duplo sentido, que pode apontar para uma preocupação ecológica e ao mesmo tempo um protesto contra o autoritarismo. “Ah, como eu amei”, parceria de seus irmãos Jota e Ney Velloso, que já ganhou reinterpretações de Ivete Sangalo, Revelação e Alexandre Pires, é uma das mais belas páginas da sua carreira, que já ultrapassa os 50 anos.

Hoje, praticamente desconhecido pelas novas gerações, o artista segue na ativa, fazendo shows e gravando músicas inéditas. Seu mais novo lançamento, o álbum “O Infalível Zen”, produzido em parceria com seu filho, o também cantor Rodrigo Velloso, com novas criações e obras antigas nunca gravadas, chegará ao streaming e às lojas, na forma física, em breve. Incansável, Benito di Paula faz jus e encarna os versos de um antigo sucesso seu: “vou cantar, vou sambar, enquanto eu viver”. Longe de querer aposentadoria, o cantor, compositor e pianista quer continuar apresentando a sua arte ao mundo. Viva!


Texto por Davi Vieira

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