120 ANOS SEM CLEMENTINA DE JESUS
“Eu não sou daqui, marinheiro só. Eu não tenho amor, marinheiro só. Eu sou da Bahia, de São Salvador”. Estes versos se imortalizaram no vozeirão grave e rouco de Clementina de Jesus, nascida em Valença, que completaria 120 anos na data de hoje, se viva estivesse. Revelada aos 63 anos, pelo produtor, compositor e historiador musical Hermínio Bello de Carvalho, a nossa querida Rainha Quelé saiu do anonimato e converteu-se numa das maiores expressões da música popular brasileira.
Neta de escravos da região de Diamantina (MG), ex-empregada doméstica, lavadeira e mulher negra simples do povão, Clementina foi, nas palavras do professor Darcy Ribeiro, “a voz dos milhões de negros desfeitos no fazimento do Brasil”. Ela trazia na garganta o canto forte e reprimido da população que carregou este país nas costas, ao longo de três séculos, às custas de penosos e forçados trabalhos. Nela, estava presente a própria história do nosso país!
Apesar de católica fervorosa e devota de Nossa Senhora da Conceição, a mulher que conviveu com os fundadores da Portela e frequentou os sambas na casa da famosa Tia Ciata, foi uma excepcional cantora de jongos, lundus, ladainhas, benditos, cantos de trabalho, corimas, pontos de macumba e caxambus, levou a cultura negra brasileira e toda ancestralidade africana aos palcos do mundo inteiro. Da Taberna da Glória, no Rio, onde foi descoberta, ao Festival de Cannes, na França. Por Sophia Loren, lendária atriz do cinema mundial, que estava na plateia, foi presenteada com um buquê de rosas. Também apresentou-se no Festival Arte Negra, no Senegal, país da África, onde foi ovacionada por um estádio de futebol lotado, ao cantar suas corimas.
Seu grande ingresso na música deu-se no Projeto O Menestrel, em 1963, através das mãos de Hermínio. No ano seguinte, participou do show “Rosa de Ouro”, que virou dois LP’s homônimos lançados pela gravadora Odeon, ao lado de Aracy Côrtes, Elton Medeiros, Nelson Sargento e Paulinho da Viola. Com os mestres Pixinguinha e João da Baiana, gravou o LP “Gente da Antiga”, em 1968. No entanto, sua estreia solo em discos aconteceu dois anos antes, com o LP “Clementina de Jesus”, também da Odeon.
O talento e a história de vida da Rainha do Partido-Alto, que nos deixou em 1987, não sem antes ser homenageada com um espetáculo no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e enredo do desfile da Beija-Flor de Nilópolis, no Carnaval de 1983, merecem ser celebrados sempre. Artistas e pessoas como Clementina nos engrandecem como seres humanos. Que orgulho podermos festejar os seus 120 anos de nascimento! Nós é que fomos presenteados com sua presença tão digna e frutífera na formação musical e social deste país. Viva Clementina de Jesus!
Texto por Davi Vieira
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